2.5.13

Morrer


Morrer exige duas pessoas.
Morrer exige sempre duas pessoas.
A que morre e a que aceita essa morte.
Estás aqui e é contigo que quero passar os meus dias.
Lamento, mas nunca terás a minha despedida.
Terás as minhas palavras, todos os dias como sempre foi todos os dias.
Terás os meus olhos fechados nos teus, como sempre os teus fechados fechavam os meus.
Lembras-te de que assim que adormecias eu adormecia também?
Como se estivéssemos ligados por um qualquer mecanismo biológico.
Tu dizias: vou dormir.
E eu nem dizia nem deixava de dizer.
Simplesmente te olhava, lentamente, a fechares os olhos – e, ao mesmo tempo, fechava, lentamente, tão lentamente como o teu lentamente, os meus.
E assim adormecíamos, todos os dias e todas as noites, juntos, verdadeiramente juntos, a dormir o mesmo sono.
Nem a dormir deixávamos de estar juntos.
Se sonhava, sonhava-te. Sentia-te por dentro de tudo o que vivia.
Eras a parte de fora de mim – o corpo que me pertencia como me pertencia a vida.
Nem penses que te permito morrer.
Morrer exige duas pessoas.
Onde estás que preciso de viver outra vez?”

Pedro Chagas Freitas

2 comentários:

R disse...

Palavras de uma melancolia que rasga...
E aquelas noites em que nem pregava olho, só para a ver dormir... para não perder um único segundo do Tempo em que a tinha comigo... mas tudo morre.

Sil disse...

Tudo morre sim. Fica a saudade. Ficam as memórias de voltar a sentir, e com isto nem sempre é com a mesma pessoa. Muitas vezes é apenas de nos voltarmos a sentir da forma como um dia já morremos e renascemos.
É o ciclo da vida.
:)